sábado, 29 de janeiro de 2011

O merecido Nobel de Literatura para o reacionário Mario Vargas Llosa

Não concordo nem um pouco com as ideias políticas de Mario Vargas Llosa, que está sempre falando em liberdade, mas usa essa palavra para justificar as doutrinas político-econômicas neoliberais, que semearam miséria por onde passaram e só aumentaram as desigualdades sociais, mas, certamente, ele merece ser apontado como um dos melhores escritores da língua espanhola.
Às vésperas do Nobel se referiu de maneira desrespeitosa e injusta ao presidente Lula, mas o Brasil ao menos lhe deve reconhecimento pelo seu magnífico livro A Guerra do Fim do Mundo, um romance estupendo sobre a guerra de Canudos, um dos mais sangrentos episódios de nossa História. O filme Guerra de Canudos (1997), de Sérgio Resende, estrelado por Paulo Betti e Marieta Severo, assemelha-se mais com o romance de Vargas Llosa que com Os Sertões, de Euclides da Cunha, e o jornalista careca interpretado por Bontempo é a cópia fiel do jornalista míope do romance que renasce intelectualmente após a aventura de Canudos.
Agora mesmo divirto-me lendo Tia Julia e o Escrevinhador, um romance autobiográfico em que a figura de um escritor de novelas de rádios nos leva a meditar sobre o que é realmente a Literatura e qual a sua função na sociedade.
Recentemente, Mario Vargas Llosa declarou-se preocupado com os rumos da Venezuela de Chávez que, segundo ele, está para transformar-se numa segunda Cuba. Se lembrarmos que Cuba é um país tropical sem doenças tropicais, livre do analfabetismo e onde o D. Quixote de Cervantes, base da língua espanhola moderna, é um livro presente em todas as casas e lido por todos os estudantes, não parece ser tão mal assim.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Fribugo 4

O Jardim do Nego apareceu na TV. Nem todas as esculturas foram danificadas e o artista está disposto a reparar as que sofreram danos. Agora é seguir em frente.
Quero visitar Friburgo o mais rápido possível e conhecer esta maravilha da Região Serrana.

Hitler ficaria feliz

Alguém atende o telefone e recebe instruções para trair o seu grupo em troca de dinheiro. "Você é o sabotador". E o canalha aceita o papel que lhe dão.
Alguém atende o telefone e lhe dizem que deve escolher alguém para ficar 17 horas angustiantes numa solitária. E cumpre a tarefa.
A mensagem é clara: cumpra as ordens que receber, mesmo que assim você prejudique as pessoas. Pensem apenas em si mesmo! Hitler aplaudiria de pé esse programa.
Se houvesse um chefe de Estado neste país, a Globo teria saído do ar imediatamente após a exibição do primeiro Big Bosta.

E por maior ironia, após esta merda será exibida uma minissérie sobre Chico Xavier, que passou a vida ensinando e praticando o amor ao próximo.

Friburgo 3

Quando soube pelo telejornal da Globo que a igreja Nova Vida de Teresópolis tinha virado um necrotério, pois o IML municipal não tinha espaço para tantos corpos, pensei: "Fizeram isso com o consentimento da cúpua da igreja, que já deve estar se mobilizando para ajudar as vítimas da catástrofe". Corri à igreja Nova Vida de Alcântara oferecer-me como voluntário. Foi um dos diálogos mais surreais da minha vida. A recepcionista ficou maravilhada e queria me converter, disse que eu, com tanta disposição para ajudar, seria um ótimo missionário na Índia. (Ser missionário é algo tão complexo que até Homer Simpson já foi um...) Ah, que trabalho explicar que eu não estou interessado em igreja nenhuma, que quero só ajudar as pessoas. "Se a televisão tivesse falado de uma igreja católica, de uma casa espírita, de um terreiro de candomblé, eu iria me apresentar lá da mesma forma."
Não acreditava que me chamassem depois desse diálogo, mas me chamaram e passei a semana quase toda - exceção da quinta - trabalhando como voluntário, separando as doações - a maioria roupas, o que está longe de ser o mais necessário. Roupas são usadas várias vezes: os alimentos são usados só uma vez.
E há quem atrapalhe os voluntários, doando roupas imprestáveis. Carregamos peso e perdemos tempo separando o que só serve para o lixo. E acham que fazem caridade.

domingo, 16 de janeiro de 2011

Friburgo 2

A impressão que tenho, pelas notícias que me chegam, é que, nestes 200 anos, as belezas de Friburgo foram construídas ao Deus-dará, à moda liberal do "Deixa-fazer-deixa-passar". Quem tinha dinheiro para fazer, fazia, sem intervenção do Estado, que nunca pensou se haveria riscos futuros.
O que D. João VI fundou foi uma comunidade de agricultores e artesãos católicos (alguns protestantes vieram escondidos) que povoariam aqueles vales. Nunca pensou o monarca que a cidade cresceria tanto. Ninguém há 200 anos pensaria na população que temos. As vacinas, a medicina, a civilização do petróleo, a Revolução Industrial tornaram possível tal crescimento da população e das cidades. De todos, o menos culpado, creio eu, seja o rei.
Mas quando se constrói próximo a um rio... Os rios transbordam um dia. É só questão de tempo. O rio Bengala dessa vez teve água que estreitasse suas margens. E a solidez das montanhas, quem poderia atestá-la a 200 anos? Mas, urbanizando-se o espaço, a tecnologia evoluindo, e a ciência pesquisando, nunca se pensou em analisar aquelas encostas?
As mudanças climáticas tornam cada dia mais necessárias as cidades planejadas. O liberalismo mata.

Friburgo

Minha vontade era estar agora em Friburgo.
Lá estive por duas vezes: uma em abril de 2010, feriadão de Tiradentes, e dia 7 de janeiro deste ano, sol forte, ruas cheias, gente curtindo as férias naquela linda cidade.
Friburgo é uma daquelas cidades que dão orgulho a seus habitantes. Quem mora lá sabe o quanto ela é amada e desejada por quem mora lá em baixo, ao nível do mar, e gosta de passar lá os dias livres. As pessoas comentam com você a História da cidade, indicam onde ir e o que fazer. Preservam o mobiliário urbano. Ou era assim, até esta semana.
Dá uma angústia ouvir importente o noticiário catastrófico. Pensar que Friburgo se estende entre montanhas, que muitas ruas sobem por elas, que é uma cidade aprisionada em vales verdes, cujos montes podem desabar - e alguns já estão - nos deixa inseguros.
As imagens de Olaria inundada. As vidas afogadas, o comércio de roupa íntima arruinado, a igreja de Nossa Senhora das Graças, obra de Lúcio Costa, o que é dela? Na melhor das hipóteses, refúgio de desabrigados e que a água não suba outra vez para de lá expulsar quem de suas casas já foi expulso.
O teleférico está condenado? O medo que senti quando subi o primeiro estágio. Ninguém mais terá aquela visão? E a igreja de Santo Antônio na Praça do Suspiro, com uma parede destruída? Poderá ser restaurada? Ou será condenada por medo de futuros deslizamentos? A Praça das Nações foi soterrada, onde encontrei-me com a magnífica Fátima Serafim, cantora de fados. E a igreja luterana, primeira do Brasil com esse nome? E a prefeitura, onde recebeu-nos o Chico Figueiredo, quando fomos, Jó Siqueira e eu, falar de teatro e de cultura?
E o Jardim do Nego, que eu não pude conhecer e deixei para outra oportunidade? E a Queijaria Escola? E o Museu da Colonização, instalado em suas dependências?
Quero ir a Friburgo o mais rápido possível...

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

"Presidenta" sim, por que não?

Não admitir que se trate Dilma Rousseff como "presidenta" é puro preconceito linguístico, porque uma palavra passa a existir no momento em que ela é usada e o seu uso frequente entre os falantes faz com que ela crie raízes definitivas. É assim que a língua se transforma. Foi assim que a palavra "orfindade", que Camões usa no Terceiro Canto de "Os Lusíadas", estrofe 125, poema maior de nossa língua, virou "orfandade". Que "despois", na estrofe 118 do mesmo Terceiro Canto virou "depois" e assim vai. Os exemplos são inumeráveis.

Para quem não assistiu "José e Pilar", documentário sobre o cotidiano do casal José Saramago (único autor da Língua Portuguesa a ganhar o Nobel de Literatura) e sua esposa Pilar del Rio, jornalista e tradutora de sua obra para o espanhol, a hoje viúva do mestre se declara "presidenta" da Fundação Cultural José Saramago. Ela argumenta no filme que a palavra "presidenta" não existia porque não existia o cargo. Uma vez existindo uma mulher que preside, ela pode (e deve, segundo Pilar) ser chamada de "presidenta". Se José Saramago não a corrigiu, quem é que corrigirá?



Edson Amaro de Souza

sábado, 1 de janeiro de 2011

Errei, mas não muito

Em postagem anterior, disse que Dilma evita falar de seu passado de guerrilheira. Em seu discurso de posse, ela disse querer compartilhar com os que perderam a vida lutando contra a ditadura aquela conquista e assim honrá-los. Postura bem diferente ela teve durante a campanha eleitoral, quando não lhes dedicou uma sílaba.
Se quer honrá-los, PRESIDENTA (sim, vamos usar a forma feminina do cargo) abra os arquivos da ditadura. Outros países o fizeram e o mundo não acabou por causa disso.

O que tenho contra Dilma? Pessoalmente nada.

Mas gostaria de ter na presidência uma mulher que se orgulhasse de sua rebeldia juvenil, que falasse sem pudor de como enfrentou a ditadura, quando era chamada de “terrorista”. (E Castelo Branco, Costa e Silva, Médici, Figueiredo, Carlos Lacerda, Antônio Carlos Magalhães, Paulo Maluf e tantos outros que participaram da derrubada de um governo democraticamente eleito e colaboraram com uma ditadura que torturou, matou, sequestrou, cassou direitos políticos, censurou, aumentou a dívida externa, fechou os olhos para a miséria, planejou a Transamazônica para melhor destruir a floresta, quis empurrar goela abaixo dos índios essa civilização predatória nossa etc. merecem que nome mesmo?) Não me agrada ter na presidência uma pessoa que diz que pagamos a dívida externa sem que jamais governo algum tenha feito a auditoria prevista na Constituição de 1988 e ainda por cima se orgulha de emprestar dinheiro para o FMI, uma instituição que mata mais do que o nazismo, pois condena metade da humanidade à fome, ao analfabetismo, à poluição, à destruição ambiental, à escravidão, às doenças mais repugnantes e remediáveis, que coloca os automóveis acima dos homens e mulheres, que senta-se à mesa com fabricantes de armas, que finge não saber quem lucra com o tráfico de drogas, que mantém abertas as veias da América Latina.
Vocês têm certeza que aquela jovem contestadora não morreu nos porões da ditadura?

Resposta a Romário Regis, entusiasta de Dilma Roussef

Romário, fique tranquilo. Acordei com a impressão de que nenhum de nós, que votamos no ano que passou, viverá para ver a volta do PSDB à Presidência. Um partido que perde uma eleição para alguém como dia, que tem uma performance pública, um jeito de comunicar-se pior que o da Fátima Bernardes, é porque perdeu de vez o bonde da História.
Não é a criação um Ministério que resolverá o problema da juventude. Se fosse necessário criar um ministério para cada problema deste país, logo haveria mais ministros que contribuintes.
Não assisti o discurso de posse de Dilma. Enquanto ela discursava em Brasília, revisitei Drummond.
Ter uma mulher na presidência do Brasil é tão importante quanto ter um negro na Casa Branca, mas isso só não basta.
De Dilma, espero tão só que ela tenha coragem de abrir os arquivos da ditadura. É o mínimo que ela pode fazer em homenagem aos seus companheiros de clandestinidade, uma época gloriosa de sua vida da qual ela evita falar.

1o de janeiro: Dia de finados

Não gosto do reveillón, porque ele é para mim o verdadeiro dia de finados. No último dia do ano, sempre lembro as pessoas cujos vultos desapareceram “na extrema curva do caminho extremo” e que não estarão comigo para testemunhar e partilhar as alegrias e dores vindouras. Este ano incomodaram-me o assassinato de Alexandre Ivo, de quem não posso me dizer amigo, pois só trocamos umas trinta palavras, uma semana antes de ser ele trucidado pelos filhos de Hitler; derramei muitas lágrimas pelo passamento de Regina Célia, companheira de lutas no Sindicato, mas ela dormia tão plácida em seu esquife que desejei dormir assim quando minha hora chegar; e foi-se o José Saramago, lá em Lanzarote, distante fonte de alegrias.
É uma noite ruim, pois me é negado o sagrado – ainda que não constitucional – direito de dormir em paz, pois os fogos são como fuzis que atirassem contra qualquer movimento de Morfeu. Fico acordado até tarde contra a vontade.
Nos últimos minutos de 2010 e primeiro de 2011 estava lendo “A Interpretação dos Sonhos”, de Freud.