domingo, 17 de janeiro de 2010

Cordel da luta de classes

Cordel da Luta de Classes
Autor: Edson Amaro de Souza


Vim dizer o que não sabe
Muita gente hoje em dia
Que pensa que se celebra
Somente por cortesia
Dois dias cuja história
Há muito não se dizia.


O oito de março, mulheres,
A vocês é consagrado
E vocês tanto merecem
Que devia ser feriado
Mas ninguém lhes conta nunca
Da história o pior lado.

A mídia só lhes retrata
Como mães, consumidoras,
Amantes, esposas, filhas,
Por isso merecedoras
De que o filho ou o marido
Lhes dê nova lavadora.

O Mercado em tudo manda
Como nova divindade
E nos nega o que somos:
Nossa própria humanidade!
E quem disso se esqueceu
Serve-o mesmo sem vontade.

O Mercado não quer homens
Nem mulheres por inteiro:
Quer só as mãos que trabalhem
Pra ele _ parasiteiro! _
E estômagos que além
Da fome tenham dinheiro.

Em Nova Iorque no ano
Mil oitocentos e mais
Cinqüenta e sete janeiros,
Por trabalharem demais,
Cento e vinte nove vozes
Femininas, valentais,

Ergueram-se então contra
Jornada tão desumana:
Dezesseis horas diárias
Tão mal pagas que nem Joana
D’Arc, que era santa e guerreira,
Agüentaria uma semana!

A mulher sempre é valente
Quando toma a dianteira.
As heróicas operárias,
Exemplos pra Terra inteira,
Mandou o Capitalismo
Que morressem na fogueira.

E, no Primeiro de Maio,
Dia do Trabalhador,
O que faz a burguesia,
Hoje em dia, causa horror:
Sorteios, festas e shows
Pra mentiras bem compor!

Não sabe quem se alegra
Nesse dia feriado
Que, em Chicago, há mais de um século,
Quanto sangue derramado!
“Jornada de doze horas?!
Com oito se está cansado!”

Assim diziam os grevistas
Em pacífica passeata.
Mas outra vez os seus patrões
Fazem uso da chibata:
A polícia, a mando deles,
Espanca, prende e até mata!

Fundada em Paris, a
Segunda Internacional
Socialista, operários,
Relembrando a tão fatal
Data de três anos antes,
Decidiram ao final

Celebrarem os oprimidos,
Em escala mundial,
A memória dos caídos
Nessa luta desigual
Dos proletários sem armas
Contra o aço do Capital.

Os capitalistas queriam
Apagar essa história
E perseguiam aqueles
Que a tinham na memória.
Era preciso enfrentar
Tal violência inibitória.

Todo ano tinha greve
Pra lembrar a triste data
E falar contra a riqueza
Que os pobres só maltrata,
Porque deles tira ouro
E lhes dá em troca lata.

No Brasil, foi a cidade
De Santos a primeira
A desistir de calar
A lembrança justiceira
Quando sindicatos ‘inda
Proibia a lei brasileira.

Isso foi dez anos antes
De, na longe Rússia fria,
Os pobres se organizarem
Com ciência e valentia
E criarem um novo Estado
Pra acabar com a mais-valia.

Marx e Lênin ensinaram
Pra gente do mundo todo
Que somente se unindo
Os pobres saem do lodo
Mas antes têm de vencer
O ideológico engodo.

Também disse Paulo Freire,
Pedagogo do Oprimido,
Que se tornar opressor
O oprimido faz sentido
Somente pra quem não quer
Ver o mundo redimido.

Vejam vocês os sem-terra
Organizado movimento,
Sementes do novo dia,
Do qual vejo o nascimento,
Quando a terra então a todos
Dará cultura e sustento.

Professores, operários,
Camponeses e atores,
Não é em vão esta história
Tatuada de mil dores:
Nos unamos para sermos
Dela continuadores.

Outro mundo nossas mãos
São capazes de criar.
Desemprego, guerra e fome
Não são frutos do azar:
Existem somente pro
Capital se sustentar.

No mundo socialista
Que devemos construir,
Haverá mais verde e menos
Razões para poluir.
Fronteiras entre os países
Deixarão de existir.

Homens e mulheres, brancos
E negros, todos iguais
Em direitos e deveres,
Preconceitos nunca mais!
É preciso respeitar
Também homossexuais.

Todos somos explorados
E, para isso acabar,
Respeitemos as diferenças
De sexo, raça ou falar!
É de mãos dadas que sempre
Nós devemos caminhar!

Em Porto Alegre, todo ano,
Gente do mundo inteiro
Faz um Fórum onde o Homem
Vale mais do que o dinheiro,
Diferente do de Davos,
Fortaleza de banqueiro.

Lá trocam experiências,
Denunciam a opressão,
Discutem idéias novas
No meio da multidão
Pra que todos possam dar
Qualquer colaboração.

Obrigado a Che Guevara
E às Mães da Argentina,
Exemplo de inteligência
Misturada à adrenalina
E a Martin Luther King
Minha mais sincera estima.

Obrigado a todos que
Combatem o capitalismo.
Cada um com seu tijolo,
Construindo o Socialismo,
Pratica o verdadeiro
Ideal do Humanismo.


Escrito em São Gonçalo, RJ, nos dias 27 a 28 de julho de 2004, ano do centenário do poeta Pablo Neruda, autor de “Canto Geral”.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Tributo a Miep Gies

Cara sra. Miep Gies,
Quando se fala em Literatura infanto-juvenil, quase sempre trata-se de livros escritos para crianças e adolescentes por mãos adultas. São pouquíssimos, em todas as línguas, os livros escritos por jovens. Deste, o mais importante é, certamente, O "Diário de Anne Frank", uma obra da qual eu nunca consigo falar em sala de aula com meus alunos sem que meus olhos se inundem de lágrimas. Eu li já adulto, em meus tempos de faculdade, na Universidade Federal Fluminense e tenho agora, ao alcance da mão, um exemplar velhinho da adaptação que os americanos Frances Goodrich e Albert Hackett fizeram para o teatro (Tradução de Gert Meyer, Rio de Janeiro: Editora Agir, 1975. Nem sei se ainda é publicada.). Comprei o livrinho em um sebo e não sei quantas vezes já o reli e, ao terminar, meus olhos sempre estão encharcados.
Não creio que haja melhor leitura para os corações e as mentes adolescentes em formação. Acho que somente os Evangelhos têm um apelo tão forte para a solidariedade. Acho mesmo que, se Cristo tivesse de ir a uma livraria, seria para comprar um exemplar desse livro. Se Gandhi fosse ao teatro, seria para ver essa peça. Quem ama a paz deve conhecer essa obra e recomendá-la por onde andar.
E neste 11 de janeiro de 2010, o seu generoso coração, sra. Miep, parou de bater. Ao ler e reler essa peça, fico pensando, sra. Miep, quanto lhe custou em coragem, em despesas a nobre intenção da sra. e do sr. Kraler e daquelas outras pessoas amigas em acolher aquelas oito vidas judias, sentenciadas à morte pelo simples “crime” de existirem. E aos 100 anos de idade a senhora deixa esse planeta, que precisa tanto de gente assim corajosa e solidária. Essa sua longevidade me faz pensar que fazer o bem aos outros deve fazer bem à saúde...
No livro de Anne Frank, chamam a atenção as diferenças que encontram harmonicamente. Cristãos celebrando o Hanukkah junto com os judeus que abrigam, judeus pela primeira vez celebrando o Natal com os cristãos que os acolhem. Na peça, que exige uma ação permanente para não enfadar os espectadores, são mais intensos os conflitos: o confinamento, a pouca comida sendo a duras penas dividida, as personalidades que se chocam. E também a descoberta do amor entre os adolescentes Anne e Peter. Ele, um garoto tímido que se esquiva das discussões em companhia do seu gato e que, a princípio, é desprezado por Anne; ela, a garota sonhadora que sonha em crescer e ser escritora, contar, velhinha, a seus netos o difícil período do esconderijo. São o otimismo de Anne, sua alegria inquebrantável, seus projetos esmagados pela crueldade nazista que nos encantam, nos comovem e nos entristecem quando fechamos o livro e lembramos seu fim prematuro.
A frase mais célebre escrita por Anne, presente no diário e na peça, é: “Apesar de tudo, continuo acreditando na bondade humana.” A peça começa quando o sr. Frank, único sobrevivente, volta ao esconderijo após terminada a guerra e a senhora, cara Miep, lhe entrega o diário. Ele o lê para o público, que assiste à reconstituição daquela difícil convivência, e, ao final, ele conta como a família foi conduzida aos campos de extermínio – apesar de tudo, Anne sorria porque, enfim, sentia o Sol e a brisa após dois anos de reclusão –, separada e exterminada, pouco antes do fim da derrota do nazismo. A peça se encerra quando o sr. Frank relê a frase imortal e declara sobre a otimista filha aniquilada: “Ela me faz sentir pequeno.”
Faço minhas as palavras do sr. Frank. Sinto-me pequeno diante do talento precoce e do otimismo de Anne Frank e também da sua generosidade e da sua coragem, sra. Miep Gies. E fico imaginando se, neste exato momento, na Palestina oprimida pelo estado israelense, que copia a crueldade dos nazistas, não há um coração corajoso e generoso como o seu, acolhendo famílias ameaçadas por um Estado genocida, e, quem sabe, um dia, quando os palestinos tiverem seu próprio Estado, sua sobrevivência assegurada, veremos surgir um diário escrito por uma adolescente palestina, uma nova Anne testemunhando o holocausto de hoje.
Obrigado, Sra. Miep, por entregar à juventude "O Diário de Anne Frank". Descanse em paz.

Edson Amaro é licenciado em Letras pela Universidade Federal Fluminense, professor da rede estadual do Rio de Janeiro e diretor do núcleo São Gonçalo do SEPE – Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação.