sábado, 30 de outubro de 2010

Henrique VIII e Thomas Morus

Retomo o tema da postagem anterior.
Gostaria que Silvio Pellico tivesse exposto em sua tragédia as razões de Henrique VIII, pois toda a peça é uma defesa de Morus - embora não se entre no mérito dos argumentos que Morus levantava contra o rei: em toda a peça, tudo o que ele diz é que queria ser fiel à religião dos seus pais.
Henrique VIII, aconselhado por seu pai, casou-se com a viúva de seu irmão, Catarina de Espanha, porque o velho monarca achava vantajoso manter a aliança com a pátria de Cervantes. Quer dizer, ser rei significa não ter direito ao amor. Verdi diz isso numa das árias de "O Baile de Máscaras".
Quando surge a Reforma Protestante, Henrique VIII fez bonito e ganhou prestígio no Vaticano: escreveu um livro chamado "Em Defesa dos Sete Sacramentos". O papa Júlio II gostou tanto que lhe deu o título de "Guardião da Fé" que hoje, Sua Majestade Britânica, Elisabeth II, chefe da Igreja Anglicana, ostenta com orgulho. Júlio II nunca esperaria uma traição justo da parte de Henrique VIII. Acho que aquela pintura de Michelangelo chamada "A Conversão de São Paulo", na Capela Paulina, que mostra Paulo de Tarso caindo do cavalo, é uma referência a isso, pois o apóstolo é a cara do Pontífice. (Será que se eu escrevesse um livro chamado "O Código Michelangelo", expondo minhas interpretações heréticas da obra do florentino, eu ganharia tanto dinheiro quanto o Dan Brown com "O Código Da Vinci"?)
Mas todo rei tem certas obrigações. Procriar é uma delas para que o trono tenha herdeiros e não caia nas mãos de uma nobreza estrangeira, como aconteceu com o trono português,do qual os parentes espanhóis de D. Sebastião se apoderaram quando ele e seu tio cardeal morreram ambos sem filhos. (Custava o cardeal dar uma furunfadinha pelo bem da pátria? Quebrava o voto de castidade por algumas noites mas salvava a pátria e poderia se reabilitar depois. Quem sabe conversando ele não se entendia com o Vaticano? Talvez se o Viagra já tivesse sido inventado...) Chega então um momento em que a rainha Catarina, após várias gestações fracassadas, atinge a menopausa, e o rei, cheio de disposição, encontra as meninas da família Bolena. O homem tinha que fazer valer o seu cetro, não era não?
Dizem os alemães que uma tragédia é um conflito em que os dois lados estão certos. Sim, o rei fez um juramento de que ia ser fiel à esposa até que a morte os separasse. Sim, esperava-se que o rei desse exemplo de conduta cristã para os súditos. Sim, um rei tem que preservar as instituições. Mas para preservar a instituição da monarquia, a independência da Pátria, ele tem que procriar, e a rainha não servia mais para essa função. E Anna Bolena prestou-se muito bem a essa tarefa.
Mas o papa não queria entender. Que outra opção ele tinha senão romper com Roma e fundar sua própria igreja? Tanto pior pro papa, pois Henrique aproveitou para se apoderar das riquezas da Igreja Católica e seus templos. Bom pros padres que, infiés ao papa, puderam casar ou regularizar suas relações com suas amantes. Ruim para os fiéis que pagaram com o sangue a infidelidade.
Com sangue e esperma escreveu-se a história da Igreja Anglicana. Está aí uma tragédia para ser escrita.
Ah, Saramago, que falta nos fazes...

Thomas Morus

Sou apaixonado por palavras. Gosto de ler um bom texto. Não importa a sua ideologia. Gosto de produzir bons textos e quando traduzo nem sempre concordo com tudo quanto traduzo. Mas traduzir um bom texto é um enorme prazer e me sinto amigo dos autores a quem traduzo, e não concordamos com tudo que nossos amigos dizem ou pensam.
Dia 29 de outubro estive na SBAT (Sociedade Brasileira de Autores Teatrais) para arquivar a tradução que fiz da peça "Thomas Morus", de Silvio Pellico (1789 - 1954).
A peça é comovente. Trata dos últimos dias de Thomas Morus, o filósofo autor de "A Utopia", que foi decapitado por não transigir com suas convicções católicas quando Henrique VIII fundou a Igreja Anglicana. Por isso, João Paulo II, em seus últimos dias, proclamou santo protetor dos políticos. Bem, a memória do papa não andava muito boa, pois, em "A Utopia", Morus defende algumas ideias que o Vaticano condena, como a eutanásia...
Falar de religião é falar de sangue, de matança, pois a História das Religiões é a História da Intolerância e da Carnificina. Jorge Amado disse que as terras do sul da Bahia, onde se plantava cacau, são fertilíssimas porque adubadas com sangue humano, adubo sem igual. Se esse adubo for tão eficiente assim, ainda mais férteis são as terras europeias, tal a quantidade de sangue que católicos e protestantes derramaram por lá.
É claro que eu preferiria uma tragédia que não tomasse partido nem pelos católicos nem pelos protestantes, que são Montechios e Capuletos com discursos teológicos; uma tragédia como "In Nomine Dei" de Saramago. Mas embora o texto de Silvio Pellico seja explicitamente católico, não deixa de comover o carinho extremado de Margaret por seu pai (várias vezes os dois personagens me fizeram chorar enquanto traduzia) e é admirável a coragem de Morus que, por três vezes, recusa a liberdade que lhe é oferecida. E num momento em que o fanatismo religioso ganha cada vez mais espaço no Parlamento brasileiro, todos os textos que lembrem o quanto de sangue que já se derramou em nome de Deus para derrotar o Diabo (que, se existisse, processaria todas as igrejas por calúnia e difamação) merecem ser lidos e representados.

domingo, 3 de outubro de 2010

Para que serve o IBOPE?

http://www.youtube.com/watch?v=UrCEIOX3Toc